- Ué, você não estava
torcendo pela Alemanha?
-Estava.
-E tá chorando por
quê?
-Porque não precisava
ganhar de goleada, né?
Assim é o coração do
imigrante, seja ele de qual idade ou qual geração for.
A gente vive dividido
e na verdade acaba sendo um ser apátrida, que não esquece a terra natal, seus
bons costumes, seus melhores sons e odores, mas que também se rende ao novo, ao
acolhimento, ao rompimento com crenças que a nova cultura lhe traz.
Esse tipo de
liberdade, de nova visão sobre o certo e errado, do permitido e do proibido, ao
mesmo tempo arrebata e assusta porque se perde a noção de limites.
Já não sei o que
responder hoje em dia quando me perguntam se isto ou aquilo é certo. Jamais replico
diretamente e tal qual um terapeuta returco com outra pergunta o que leva meu
interlocutor às raias da loucura!
Todavia aprendi que o
conceito de certo e errado, bem e mal, positivo e negativo são bem relativos,
já que palitar os dentes em público é perfeitamente aceitável na Itália e um
ato de grosseria na França, assim como na China cuspir na rua é um ato de
higiene já que, segundo suas crenças, estariam tirando a sujeira do corpo.
Então como fazer? Que
limites aceitar para viver? O ser humano é um ente que precisa de regras, que
precisa de crenças, que precisa de barreiras que contenham sua bestialidade.
Entretanto ao conhecer
novas culturas, novos mundos, novas gentes, vê-se que existe vida além do nosso
umbigo. E se para um adulto é complicado, para as crianças é missão quase
impossível!
Se por um lado é bom
saber que existem outros modos de vida, por outro fica muito difícil se adaptar
ao local onde se vive. Costuma-se dizer que viajar abre a mente e isso é
verdade. Por outro lado, uma vez aberta, não há como voltar atrás e a adaptação
aos costumes e tabus de alguns lugares pode ser muito difícil. Assim, acaba-se
por viver num clã, marginalmente à cultura local. E aí cria-se outro problema
que é conviver com o olhar espantado dos nativos. Este assunto tem sido
recorrente em nossa mesa, às refeições, quando a família se une. Como dar
limites a adolescentes? Fatos corriqueiros podem ser fonte de graves
discussões, já que segundo a cultura brasileira pequenos delitos como dirigir
depois de beber um quantidade mínima de álcool é permitido e já na terra natal
nenhuma quantidade é tolerada.
A verdade é que essa
abertura de mente nos faz olhar cada vez mais para nós mesmos e assim acabamos
por criar um código de ética e crenças muito particular e subjetivo, surgindo
assim nossos próprios limites. Além disso, a gente aprende a respeitar as
diferenças, sem contudo nos sentirmos obrigados a incorporá-las se elas forem
de encontro com nosso código de ética e desse modo, respeitamos os italianos
palitando os dentes em público, mas nós não fazemos isso até porque nosso
dentista não recomenda o uso de palito, só de fio dental. Com isso pautamos
nossos hábitos mais no que nos diz a ciência do que no que é comum no lugar
onde vivemos. E o que a ciência não pode direcionar, usamos o bom senso, o
gosto próprio e as crenças aprendidas com nossos antepassados que decidimos
manter.
- E por que você está
torcendo pela Alemanha?
- Porque eles são os
melhores. Trabalharam e treinaram muito para serem os melhores e merecem demais
ganhar por isso.
Pronto! Parece que meu
periquito tem aprendido bem os valores que damos importância: nada cai do céu.