Morreu de quê? De
impotência. A impotência de vencer o medo da mudança a matou.
Quando a cegueira nos
impede de ver a pequena distância que existe entre o imenso abismo que
imaginamos existir e a realização de nossos sonhos, só nos resta o desespero e
a morte. Como se a morte fosse solução para algum problema!
Nem sei bem por que
fui, uma vez que não nos falávamos há algum tempo. Por que mesmo paramos de nos
falar?
Já à beira do caixão
tentei reconhecer aquela pessoa que ali jazia: cabelos muito mais brancos –
desleixo? Moda atual? -, pele muito mais vincada pelo tempo, ar cansado,
sofrido. Meu Deus! O que houve com aquela pessoa tão vaidosa, tão “perua”?
Diferentemente dos
velórios convencionais, não havia ninguém chorando copiosamente. Uma ou outra
lágrima teimava em fugir, mas nenhum desespero, nenhuma falta histericamente
expressada. Será esse o fim de quem escolheu uma vida à margem dos padrões sociais
vigentes?
Olho a amiga de uma
vida, real depositária dos últimos desejos, flanando pela sala como uma diva,
com dois celulares à mão, ora falando em um, ora em outro, recepcionando as
pessoas como a anfitriã de uma festa. Nem mesmo a tal “amiga-irmã” sentiu a
partida repentina?!
Nessas horas penso
como é a vida, como é difícil enxergarmos aquilo que está a dois palmos de
nossos narizes! Que loucura!
Morreu incapaz de
lidar com o medo de ficar sozinha, já que a tia de 98 anos que a criara estava
internada, no limiar de sua vida.
Uma embolia a levou um
mês antes da tia. Um êmbolo de medo, que se formou a partir de sua incapacidade
de enxergar que no fundo, mas bem lá no fundo, estamos todos sozinhos e
preenchemos nossas vidas com um milhão de afazeres e outro montão de afetos
feitos de verniz para não termos de nos deparar com esse vazio. Ou será que
finalmente enxergou e se desesperou, achando-se sem saída?
Uma pena! Aos que têm
a coragem de encarar seu mundo interior ganham a liberdade plena. A liberdade
de não ter mais medo de nada, de não sentir mais o vazio, de não se sentir mais
sozinho, de ansiar por novas aventuras.
Rezo por ela, pedindo
que seja recebida por amigos e que acabe entendendo todos os porquês de sua
vida.