Ir morar sozinha foi fácil, muito fácil. Claro que alguns
perrengues pareceram impossíveis de resolver, mas os anos agarrados na barra da
calça do meu pai foram essenciais para eu me virar na nova vida.
Assim, pendurar quadros, lidar com a fiação do computador,
trocar interruptores velhos, pintar paredes descascadas foram até diversão para
mim.
O problema era encarar o forno e o fogão já que mal sabia fritar
um ovo. No almoço comia PF de boteco, já que não existia bufê a quilo naquela
época. E no jantar era lanche ou miojo. A festa era quando ia comer na casa da
mamãe e ela me mandava uma marmitinha com as sobras da refeição. Nossa! Que
saudades do tempero dela! Contudo, meus pais nunca deram muita moleza para
minha irmã e eu e por isso, ao sairmos de casa em busca de independência, a
gente tinha de ser independente de fato.
Lá em casa a gente era meio que obrigado a aprender de tudo para
saber mandar fazer depois, só que eu, como uma espécie de revolta ou prevenção
contra os afazeres domésticos fiquei craque na faxina, mas passava longe da
cozinha. Pensando melhor, acho que a causa dessa aversão era o jeito de mamãe
nos ensinar, sem muita liberdade, sem me deixar fazer do meu jeito e por isso
eu preferia ficar com papai e seus afazeres de consertos da casa e cuidados com
o jardim.
Depois de quase um ano comendo PF e miojo resolvi encarar a
cozinha e começar com o trivial: macarronada e frango assado. Afinal, não deveria
ser mais difícil assar um frango que fazer uma cirurgia qualquer, foi o que
pensei.
Consegui uma receita fácil à beça chamada frango do chef e
arregaçando as mangas comecei pegando o liquidificador e colocando nele cebola,
alho, salsinha, cebolinha, sal, pimenta do reino e azeite a fim de fazer uma
pasta para temperar a bendita ave conforme dizia a receita. Aí era só tirar o
frango do plástico, lavá-lo bem debaixo da torneira, besuntá-lo com essa pasta
e enfiar no forno. A essa altura já estava sonhando com o gosto do franguinho
assado, bem temperadinho. Hmmmm, a boca começou até a salivar.
O molho do macarrão não era difícil, bastava esquentar o de
latinha. O problema mesmo era o frango que eu ficava vigiando através do vidro
do forno.
Nisso tocou o telefone e minha tia ao saber da minha aventura na
cozinha resolveu dar seu palpite:
- Você untou a forma, né ? Senão gruda no fundo e quando você for
tirar, sai toda a pele junto. Se bem que frango sem pele é mais saudável. Além
disso, você tem de cobrir com papel alumínio por metade do tempo e depois você
tira para dourar...
- Ah, claro! Fiz assim mesmo!
E desliguei logo para correr para tirar o frango do forno e
untar a forma, tirar a pele e cobrir a forma depois.
Que trabalheira! Já estava tudo bem quente, o frango já havia
grudado um pouco no fundo da forma, mas o mais difícil foi tirar a pele toda do
frango. Acabei queimando quase todas as pontas dos meus dedos. Ufa! Só cobrir
com papel alumínio e aguardar o tempo certo para poder depois devorar tudo!
Logo que me mudei quase mandei desligar o telefone porque a
família toda me ligava no início da noite para saber se eu estava bem, se já
estava em casa, se estava precisando de alguma ajuda e nesse dia não foi
diferente.
Não demorou muito e minha avó ligou.
- Sim, vó, já untei a forma, tirei a pele e cobri a forma...
- Você tirou a pele antes de assar? Vai ficar muito seco! Olha,
bota um pouquinho de água que além de criar vapor para cozinhar o frango, faz
um caldinho bom no final. Bota umas batatas...
Ai meu Deus! E agora? Corri para o forno e sorte que não havia
jogado fora a pele de maneira que com jeitinho literalmente vesti o frango, já
meio cozido, com a pele que também já havia meio encolhido e amarrei ainda com
fio de sutura de algodão para ajustar bem a pele ao frango. Perfeitamente
vestido, coloquei um copão de água na forma e enfiei o frango no forno de novo.
A esta altura já estava achando que fazer uma cirurgia cardíaca
era mais fácil que assar um frango.
E novamente o telefone toca. Atendi resolvida a não falar nada
sobre o frango, mas...
- Acabei de falar com sua avó e ela me disse que você está
fazendo um frango assado. E que você tirou a pele. Olha, para não ficar muito
seco vai regando ele com o caldinho. Você colocou água, não?
Lá fui eu regar o franguinho e quando abri, o vapor embaçou meus
óculos de maneira que levei um tempinho para conseguir enxergar o estado do
frango. Quase chorei! A pele estava esturricada e toda repuxada com a amarração
boiando na água, deixando ver uma carne igualmente esturricada e seca por baixo.
Só me restava tentar regar um pouco e ver se conseguia hidratar a carne.
E assim, com o forno aberto, o calor cozinhando minha face,
fiquei jogando aquele caldinho aguado em cima do frango até que ele ficou bem
escuro e eu perdi as esperanças de que ele ficasse mais macio.
Mal desliguei o forno e botei a água para o macarrão, o telefone
tocou de novo. Desta vez era minha mãe que não mediu palavras:
- E o frango? Ficou bom?
- Ah, claro! A cara tá boa, mas ainda não experimentei. Não
consegui fazer o macarrão com tantas paradas para atender ao telefone.
- Certo. Olha, eu sei que você detesta palpites, mas você tem
idéia do que fazer com os miúdos? Dá para fazer uma canja boa...
- Miúdos?
-É. Aquele pacotinho que colocam dentro do frango e que você tem
de tirar antes de assar. Lá tem a moela, o pescoço, fígado...
- Tá, tá, mãe. Canja só amanhã! Agora preciso fazer o macarrão.
Tô com fome!
E assim despachei minha mãe e corri para olhar o frango, ou
melhor o meio do frango e aí achei uma maçaroca plástica que havia impregnado
tudo. Ainda tentei separar o que havia sido plástico com miúdos do que era
resto do frango, mas não deu. Em lágrimas, acabei jogando o frango todo no lixo
e pedindo uma pizza.