Há
algum tempo o tema amor na maturidade vem me rodeando, quer seja como
comentário de um conto lido em classe, quer seja em conversas que surgem do
nada em rodas de amigos. Seria talvez um indício de que precisaria parar para
pensar nisso? A vida faz dessas comigo. Quando um tema se torna recorrente,
aparecendo por várias fontes, sei que é hora de parar e prestar atenção.
Assim
rapidamente me vem à mente a história do pai da Tomoko, um senhor japonês de 96
anos, viúvo, que vivia sozinho num apartamento com uma acompanhante e auxiliar
de enfermagem. Homenzinho ligeiro, fazia suas próprias compras, contas de
cabeça, discutia política e não se esquecia de nada. E não é que um belo dia o
porteiro do prédio dele chama a Tomoko para uma conversa?
-
Dona Tomoko, a senhora precisa falar com seu pai. O pessoal do prédio já está
reclamando...
-
O que está acontecendo Seu Raimundo?
-
Olha, nem sei como dizer, mas seu pai anda assanhado. A senhora sabe, né? O
prédio tem câmera em todo lugar, no elevador...
-
Assanhado?! Como assim, Seu Raimundo? Meu pai tem 96 anos!
-
Pois não parece, Dona Tomoko! Olha, não sei falar dessas coisas pra senhora,
não. Vou dar as fitas pra senhora, a senhora assiste e depois pelo amor de Deus,
resolve essa parada para mim!
E a Tomoko assistiu as fitas e não
acreditou no que viu: o pai, supostamente um idoso à beira da morte, além do
tempo regulamentar da vida, foi filmado várias vezes fazendo sexo no elevador
com a acompanhante, que também não era nenhuma jovenzinha. Tinha já lá seus 50
e tantos anos!
Quando
foi interpelado, não negou nada e aproveitou para comunicar que iria se casar
com ela. Como a família deu o contra, um mês depois fugiram para o Ceará, onde
ela tinha família. Moram lá até hoje e o homem já vai fazer 100 anos!
Já
que pensamento bom não é um só, mas vários, alinhavados de carreirinha, a
seguir veio a lembrança de um filme, “Tinha que ser você”, que abordou bem esse
assunto ao contar a história de um divorciado de meia-idade que acaba se
encontrando por acaso com uma solteirona também de meia-idade, mostrando o medo
de cada um em largar a própria zona de conforto em contraponto ao desejo de ter
companhia, atenção. Mas o melhor vem nos extras do DVD, onde a atriz do filme,
Emma Thompson, dá uma entrevista na qual diz: “Apaixonar-se quando se é mais
velho é devastador. É coisa muito importante. Principalmente quando se acha que
isso não vai acontecer mais.” E o diretor do filme completa dizendo que “o
relacionamento de pessoas mais velhas é mais interessante. A mim não me
interessa pessoas de 20 anos se apaixonando porque elas simplesmente não sabem
se apaixonar...” Realmente o filme é lindo, aborda satisfatoriamente as crises
e dúvidas diante do dilema e o final, embora sem surpresas, é o único possível
numa situação como aquela.
Tudo
muito simples já que os filhos que existiam não criaram grandes empecilhos e os
envolvidos eram livres e desimpedidos. Entretanto, fiquei pensando em como
seria apaixonar-se estando preso a um casamento. E vou mais além: o que leva ao
fim de um casamento depois de tantos anos, de tantas experiências vividas em
comum? Não seriam exatamente essas experiências que tornariam os vínculos mais
fortes? Quando se deixa de amar e vira acomodação?
Saio
perguntando por aí e ouço alguns absurdos do tipo:
-
Casei porque meus amigos casaram e todos tiveram casamentos ruins, chatos.
Então achei que isso era o normal.
E
apenas oito meses depois do inevitável divórcio este cidadão achou a mulher da
vida dele. Torço para que sim, mas não consigo acreditar, já que não creio em
amor à primeira vista. E os filhos? Como ficam nesse caldeirão?
-
Ah, eles se acomodam! – foi a resposta que recebi.
Evidentemente
o alinhavado continua e passa por mim, me obrigando a me olhar com lentes de
aumento.
Ah,
a Emma Thompson tem toda a razão: é devastador sim! A gente começa tateando com
medo de perder a liberdade, prometendo não arredar pé daquilo que já se
conquistou, não abrir mão de alguns princípios, e termina completamente abobado
fazendo tudo aquilo que jurou nunca fazer.
Na
idade madura o amor vem devagar, cultivado em pequenas gentilezas e cuidados. E
quando já se passou por muitas experiências na vida a gente sabe o que quer do
relacionamento: aplacar a solidão. Sim, a verdade é que a grosso modo o ser
humano se junta para não ser sozinho, para saciar uma necessidade de
pertencimento e quanto mais se caminha de olhos abertos pela vida, mais
consciência disso se tem. Por isso lembro-me com candura do sorriso do meu
marido diante das minhas condições para casar. Quase o ouço dizendo: “Sabe de
nada, inocente!”
Lógico
que não sabia, pois nunca fui casada. Contudo, ele sabia exatamente o que
queria e soube conduzir a situação de forma elegante e paciente.
Acho
que o grande segredo é não querer muito do outro ou da relação. Assim, por ter
sido sempre o último da fila durante os 25 anos que ficou casado, hoje ele só
quer ocupar o primeiro lugar e eu por ter sido sempre forte e independente,
quase masculina, só quero ser menininha.
Como
conseguimos entender e saciar a principal necessidade um do outro, todo o resto
perde a importância e fica muito natural abrir mão daquilo que se jurou nunca
largar, acabando com qualquer chance de cobrança posterior por isso.
Hoje
o escurinho do cinema tem um sabor diferente já que lá sou a namoradinha e ele
é o centro das atenções e o filme... Ah, esse pouco importa!