quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Relacionamentos

Há algum tempo o tema amor na maturidade vem me rodeando, quer seja como comentário de um conto lido em classe, quer seja em conversas que surgem do nada em rodas de amigos. Seria talvez um indício de que precisaria parar para pensar nisso? A vida faz dessas comigo. Quando um tema se torna recorrente, aparecendo por várias fontes, sei que é hora de parar e prestar atenção.
Assim rapidamente me vem à mente a história do pai da Tomoko, um senhor japonês de 96 anos, viúvo, que vivia sozinho num apartamento com uma acompanhante e auxiliar de enfermagem. Homenzinho ligeiro, fazia suas próprias compras, contas de cabeça, discutia política e não se esquecia de nada. E não é que um belo dia o porteiro do prédio dele chama a Tomoko para uma conversa?
- Dona Tomoko, a senhora precisa falar com seu pai. O pessoal do prédio já está reclamando...
- O que está acontecendo Seu Raimundo?
- Olha, nem sei como dizer, mas seu pai anda assanhado. A senhora sabe, né? O prédio tem câmera em todo lugar, no elevador...
- Assanhado?! Como assim, Seu Raimundo? Meu pai tem 96 anos!
- Pois não parece, Dona Tomoko! Olha, não sei falar dessas coisas pra senhora, não. Vou dar as fitas pra senhora, a senhora assiste e depois pelo amor de Deus, resolve essa parada para mim!
            E a Tomoko assistiu as fitas e não acreditou no que viu: o pai, supostamente um idoso à beira da morte, além do tempo regulamentar da vida, foi filmado várias vezes fazendo sexo no elevador com a acompanhante, que também não era nenhuma jovenzinha. Tinha já lá seus 50 e tantos anos!
Quando foi interpelado, não negou nada e aproveitou para comunicar que iria se casar com ela. Como a família deu o contra, um mês depois fugiram para o Ceará, onde ela tinha família. Moram lá até hoje e o homem já vai fazer 100 anos!
Já que pensamento bom não é um só, mas vários, alinhavados de carreirinha, a seguir veio a lembrança de um filme, “Tinha que ser você”, que abordou bem esse assunto ao contar a história de um divorciado de meia-idade que acaba se encontrando por acaso com uma solteirona também de meia-idade, mostrando o medo de cada um em largar a própria zona de conforto em contraponto ao desejo de ter companhia, atenção. Mas o melhor vem nos extras do DVD, onde a atriz do filme, Emma Thompson, dá uma entrevista na qual diz: “Apaixonar-se quando se é mais velho é devastador. É coisa muito importante. Principalmente quando se acha que isso não vai acontecer mais.” E o diretor do filme completa dizendo que “o relacionamento de pessoas mais velhas é mais interessante. A mim não me interessa pessoas de 20 anos se apaixonando porque elas simplesmente não sabem se apaixonar...” Realmente o filme é lindo, aborda satisfatoriamente as crises e dúvidas diante do dilema e o final, embora sem surpresas, é o único possível numa situação como aquela.  
Tudo muito simples já que os filhos que existiam não criaram grandes empecilhos e os envolvidos eram livres e desimpedidos. Entretanto, fiquei pensando em como seria apaixonar-se estando preso a um casamento. E vou mais além: o que leva ao fim de um casamento depois de tantos anos, de tantas experiências vividas em comum? Não seriam exatamente essas experiências que tornariam os vínculos mais fortes? Quando se deixa de amar e vira acomodação?
Saio perguntando por aí e ouço alguns absurdos do tipo:
- Casei porque meus amigos casaram e todos tiveram casamentos ruins, chatos. Então achei que isso era o normal.
E apenas oito meses depois do inevitável divórcio este cidadão achou a mulher da vida dele. Torço para que sim, mas não consigo acreditar, já que não creio em amor à primeira vista. E os filhos? Como ficam nesse caldeirão?
- Ah, eles se acomodam! – foi a resposta que recebi.
Evidentemente o alinhavado continua e passa por mim, me obrigando a me olhar com lentes de aumento.
Ah, a Emma Thompson tem toda a razão: é devastador sim! A gente começa tateando com medo de perder a liberdade, prometendo não arredar pé daquilo que já se conquistou, não abrir mão de alguns princípios, e termina completamente abobado fazendo tudo aquilo que jurou nunca fazer.
Na idade madura o amor vem devagar, cultivado em pequenas gentilezas e cuidados. E quando já se passou por muitas experiências na vida a gente sabe o que quer do relacionamento: aplacar a solidão. Sim, a verdade é que a grosso modo o ser humano se junta para não ser sozinho, para saciar uma necessidade de pertencimento e quanto mais se caminha de olhos abertos pela vida, mais consciência disso se tem. Por isso lembro-me com candura do sorriso do meu marido diante das minhas condições para casar. Quase o ouço dizendo: “Sabe de nada, inocente!”
Lógico que não sabia, pois nunca fui casada. Contudo, ele sabia exatamente o que queria e soube conduzir a situação de forma elegante e paciente.
Acho que o grande segredo é não querer muito do outro ou da relação. Assim, por ter sido sempre o último da fila durante os 25 anos que ficou casado, hoje ele só quer ocupar o primeiro lugar e eu por ter sido sempre forte e independente, quase masculina, só quero ser menininha.
Como conseguimos entender e saciar a principal necessidade um do outro, todo o resto perde a importância e fica muito natural abrir mão daquilo que se jurou nunca largar, acabando com qualquer chance de cobrança posterior por isso.

Hoje o escurinho do cinema tem um sabor diferente já que lá sou a namoradinha e ele é o centro das atenções e o filme... Ah, esse pouco importa!