Toda minha infância
foi passada no Guarujá. Lá meus pais, tios e avós compraram apartamentos no
mesmo prédio e assim éramos quase os donos do lugar todo. Além disso, nosso edifício
ficava numa rua de apenas uma quadra, na ponta da praia e assim todas as tardes
os zeladores dos três únicos edifícios da quadra fechavam a rua com cavaletes e
as crianças das ruas próximas vinham para a farra.
Queimada, jogo de
taco, esconde-esconde, guerra de mamona. Havia de tudo um pouco já que cerca de
50 crianças se juntavam nessas tardes. Os pais acompanhavam tudo dos terraços
dos apartamentos e de lá mesmo resolviam as querelas com um assovio forte,
desses que se faz com dois dedos na boca.
Naquela época esse
assovio por si só dizia tudo: se estivéssemos fazendo algo impróprio,
parávamos; se estivéssemos brigando, parávamos. Era o ponto final, sem
explicações, sem reclamações, obedecíamos e fim!
Só agora me dei conta
de como a educação era homogênea naquele tempo, já que num universo de 50
crianças diferentes todas entendiam o assovio de alerta. Era um consenso que os
mais velhos sempre tinham razão e deviam ser respeitados.
Além disso, naquele
sistema de convivência todos eram tios de todos, já que chamávamos os pais dos
outros de tio e tia.
Minha prima Amélia é
três anos mais velha que eu e foi a segunda da família a arranjar um
namoradinho. A mim coube ser a “vela”, papel que desempenhei com louvor e do alto
dos meus 10 anos de idade senti-me como se estivesse salvando o mundo de uma
hecatombe quando contei para minha avó que ela e o namoradinho da mesma idade
tinham tomado coca-cola no mesmo canudinho. Eca! Que nojo!
Desde muito cedo meus
pais me ensinaram sobre o mundo das bactérias e outros parasitas e por isso
sempre fui instruída a não compartilhar roupas, pentes, copos, talheres,
toalhas, escovas de dente, com quem quer que fosse. Mesmo em casa esses
compartilhamentos não existiam.
Daí o meu nojo com
relação ao canudinho tão romanticamente compartido.
Entretanto, assim como
os filmes do Elvis que passavam na sessão da tarde, os amores eram de verão e
no ano seguinte o namoradinho da minha prima já era outro e o do verão passado,
o Fábio, quis dividir o canudo e a coca-cola comigo. Eca! Continuava com nojo!
Pudera! Aos 11 anos
vivia um impasse tremendo: embora fosse menina-moça desde os nove e já usasse
sutiã, ainda brincava de bonecas quando estava sozinha em casa.
Já o Fábio era um
menino maduro, que aos 14 anos já havia ido à Disneylandia sozinho na excursão
da vovó Stella.
- Mãe, se um menino me
pedir em namoro, o que eu faço?
Lembro-me de que a
cozinha onde almoçávamos naquele momento ficou num silêncio mortal por uns
trinta segundos, quando meu pai resmungou algo em alemão, levantou-se e saiu,
deixando o prato inteirinho na mesa.
- Você responde que é
muito jovem ainda para namorar.
E assim fiz, mas o
Fábio não era de desistir: sempre dava um jeito de me colocar no time dele de
queimada, sempre me protegia das “mamonadas” e trazia coca-cola com dois
canudos.
Certo dia, já no fim
das férias, uma de minhas primas fez uma
festa de aniversário e convidou todo mundo. Enquanto o hit daquele verão, “Os
embalos de sábado à noite”, rolava a todo volume na vitrola, tinha gente até no
corredor e na lavanderia, dançando como John Travolta. Claro que todos tínhamos
assistido ao filme e sabíamos os passos de cor. Naquela noite o Fafá foi tão
explícito em suas intenções segurando minha mão na frente de todo mundo que a
meninada não deixou barato, fazendo comentários e troças a nosso respeito.
O grande problema para
os meninos era enfrentar meu pai, que havia sido campeão olímpico de luta greco-romana
na categoria peso pesado não havia muito tempo e, portanto, era muito parecido
com o Arnold Schwartznegger: loiro, alto, olhos cinza e 120 kg de puro músculo.
Ao tocar uma música
lenta, o Fafá logo me tirou para dançar agarradinho e aproveitou para dar um
beijo no meu pescoço, deixando-me petrificada com o que senti. Como um beijo no
pescoço podia dar cócegas lá, nos países baixos?
Mais um rodopio e
outro beijo no pescoço. Ruborizei com a sensação e desencostei dele dando de
cara com meu pai.
Nessa hora a festa
parou e todo mundo se afastou da gente.
Logo, meu primo gritou
lá do fundo:
- Corre, Fábio, que se
o tio te pega, te mata numa soprada só!
O Fábio não era de
correr. Imagina! O único na turma que foi sozinho para o estrangeiro!
- Tio, eu quero
namorar com ela. Você deixa?
Papai sério virou para
mim e perguntou se eu queria namorar. Acenei que sim com a cabeça, afinal tinha
gostado daquela sensação que havia experimentado minutos antes.
- Moleque, eu vai fala
um coisa para você: você pode namora ela, mas se você tira essa seu coisa de
dentro do seu calça, eu vai corta fora e joga pra cachorro comer. Entendeu?
Logo as férias
acabaram e com elas o namoro. No outro ano, o Fafá foi fazer intercâmbio no
exterior e eu me apaixonei pelo filho da delegada.
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